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UM VIOLÃO AO CAIR DA TARDE Se você tocasse violão há muitos anos, e de repente um dos melhores construtores deste instrumento lhe informasse que a maneira como ele foi construído está errada? Que a corda mais grave precisa ficar no meio e as mais agudas nas extremidades? E que cada violão só afina se for ajustado de modo único, tornando cada instrumento quase um ser humano, diferente de todos os seus semelhantes? Foi isso que Ernesto Castañera, conhecido luthier (construtor de instrumentos) argentino veio nos contar em ser workshop realizado dia 16 de outubro na sala C3 da Casa de Cultura. Ele começou sua trajetória musical como pianista, em Córdoba, 1941. Trabalhou como afinador de pianos até o final da década de 50, quando começou a questionar os métodos de afinação. Desde então começou a se interessar pelo violão, pois achava que as músicas tocadas pelos violonistas soavam desafinadas. Nos anos 60 o conhecido violonista e maestro Andrés Segovia introduziu o uso de cordas de nylon no instrumento, que antes eram de tripas animais, muito deficientes. Entre 1964 e 1973, Ernesto mergulhou de cabeça nas suas investigações sobre afinação. Castañera acha que o violão é um instrumento muito mais aperfeiçoado do que o piano, para espanto dos eruditos. Seus instrumentos são construídos de forma a fazer com que as cordas funcionem como um conjunto musical: as mais agudas destacam o solo, enquanto as mais graves fazem o acompanhamento. Nos violões tradicionais, é necessário tocar com mais força as cordas agudas, para que essas se destaquem. No workshop, o luthier demonstrou, através de uma comparação entre um violão construído por ele e um de outra procedência, sua teoria. Ficou claro para os ouvidos presentes que no instrumento normal as notas embaralham seus sons. Para quem não conhecia os termos técnicos musicais, a prática foi tão audível e visível que não precisaram maiores explicações. Ernesto considera que cada conjunto de cordas - sempre diferentes entre si - têm suas propriedades físicas alteradas pela pressão dos dedos. Ao construir um instrumento e regulá-lo, ele garante sua afinação perfeita, que não pode ser obtida nem por alta tecnologia em fórmulas generalizadas. Cada caso é um caso, cada medida é importante, nenhum detalhe passa desapercebido. Explicou como a própria onda sonora pode ser prejudicada pelo seu retorno à origem. Imaginem uma pedra jogada em uma bacia. Se formam ondas a partir do ponto de impacto da pedra, que se afastam até atingir as bordas da bacia. Depois voltam, se chocando com as outras ondas. São chamadas ondas de choque. O mesmo acontece dentro do corpo de um violão, a partir da vibração das cordas. Para compensar essas ondas de choque, ele esculpe as faces internas do tampo com círculos paralelos e concêntricos, buscando assim eliminar as ondas de retorno. Assim, cada vez que um acorde é tocado, é percebida a separação de seus vários sons, sem que os sons mais graves encubram os mais agudos, como é comum. As seis cordas soam como as vozes de um coral. Sempre comparando, Ernesto chama a atenção para os sons emitidos pelos animais - como o lobo, o touro ou o canário - que parte do grave para o agudo. Ele compara o tampo do violão ao próprio sistema de produção de som humano, com os graves partindo dos órgãos digestivos e os agudos se projetando a partir da caixa craniana. A isso chama de timbre musicalmente correto. Indo mais além, lembra que o som do instrumento se propaga em uma velocidade de 34 metros por décimo de segundo. Uma parte desse som se descarrega no corpo humano e o restante vai para o fundo da caixa de ressonância (corpo) do violão, voltando à fonte emissora: as cordas. Quanto mais sonoro o violão, maior a quantidade desses sons restantes, mais graves e menos agudos. Na platéia, violonistas experientes e curiosos, que se identificavam pelo grau técnico de suas perguntas. Até um outro luthier brasileiro - o gaúcho Fernando Becker - dirigia perguntas específicas sobre madeiras usadas na construção das várias partes do instrumento. O tradutor do workshop foi ninguém menos,do que Eduardo Castañera, filho de Ernesto e violonista conhecido. O workshop foi das 18 às quase 21 horas, quando começou o show de dois outros violonistas que acabam de ser presenteados com violões Castañera: Vinícius Correa e Cláudio Veiga. O espetáculo marcou o lançamento do primeiro CD da dupla - Batuque de Cordas - e lotou a Sala Carlos Carvalho, com o público se aglomerando de pé pelos corredores até o bis final. Dois violões ao cair da noite. Saulo Wanderley
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