O Catavento

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A GENTE NÃO QUER SÓ COMIDA

A cultura movimenta R$ 6,5 bilhões por ano, ou 1% do PIB brasileiro. A verba do Ministério da Cultura em 2001 foi de R$ 173 milhões. Duas leis de incentivo fiscal - a Rouanet e a do Audiovisual - movimentam bem mais. Os projetos financiados por essas leis chegam a R$ 557 milhões, sendo que a Petrobras lidera o ranking das empresas financiadoras, seguido pela Eletrobras, Banco do Estado de Minas Gerais e o grupo de supermercados Pão de Açúcar, que formam o seleto grupo das quatro empresas-mecenas, se é que podem ser assim chamadas.

Uma dos melhores especialistas em leis de incentivo fiscal brasileiras, Yacoff Sarkovas, presidente da Articultura, acha que mecenato privado é uma coisa e patrocínio empresarial é outro. Enquanto o mecenas interage no financiamento de projetos de interesse público, o patrocínio empresarial faz parte da estratégia de comunicação das empresas, define Yacoff.

Ele vai mais longe: "(as leis de incentivo fiscal) são um instrumento de política pública que permite usar dinheiro público para estimular o investimento privado em áreas de interesse público. Mas quando você estabelece níveis de dedução integral como no Brasil, muitas vezes o que ocorre é a transferência de dinheiro público para o privado. Algumas empresas passam a se reger só por questões tributárias."

Se os patrocínios ajudam parcialmente, os últimos oito anos da atuação do Ministério da Cultura atrapalham totalmente. Foram criadas várias secretarias para tentar fazer o que a extinta Funarte fazia, com órgãos especializados em cada segmento artístico como artes plásticas, literatura etc. O ex-diretor do Centro de Estudos e Pesquisa da Funarte aponta para a privatização da cultura sob a gestão Francisco Weffort:

"Tudo é feito em nome da privatização da cultura por meio das leis de incentivo, o que é um desastre. As empresas estatais realizam enormes investimentos em cultura sem que haja um órgão que discuta a aplicação dessas verbas e organize uma política para esses investimentos. Lula é o único candidato que tenta definir uma política de cultura para o país."

Na semana passada o Instituto Pensarte - empresa do mercado cultural de São Paulo - lançou um manifesto pela cidadania cultural. Seu presidente, Leonardo Brant, acha que os candidatos a presidente precisam apresentar metas de universalização do acesso à cultura e um plano concreto de atuação sobre os conteúdos da TV, responsável pelo único acesso à cultura que a grande maioria (90%) da população brasileira tem. Brant também vai fundo:

"A cultura é apontada como prioridade nos discursos dos candidatos, mas na prática eles têm pouco mais que boas intenções e respostas evasivas sobre questões de real interesse ao desenvolvimento na nação. Precisam ser criados pelo Ministério da Cultura, em conjunto com os demais ministérios, programas de valorização do patrimônio, profissionalização e conquista de novos postos de trabalho, busca de divisas de exportação e complemento à educação formal."

Se esboça no horizonte uma parceria profetizada na letra de uma das canções dos Titãs: "A gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte." A letra é exata na definição de diversão - como entretenimento - e arte, uma conseqüência da educação. Parece que só Lula olhou para este horizonte: "É preciso fazer da cultura um direito básico do cidadão, conjugando políticas públicas do setor com políticas educacionais", preocupa-se o candidato.

Depois de ser pilhada por Lula gerando empregos para a Noruega, e ter seu "direito de resposta" desmentido pelas leis eleitorais, a Petrobras tenta mudar o tom e ser simpática com as políticas culturais. Lorena Coelho, gerente de patrocínio da empresa, declarou que "a ação do patrocínio é a de posicionar a marca da empresa, e o Estado deve atuar nos pontos que não geram essa marca e incentivar outros projetos culturais."

A interação entre educação e arte é tão necessária que o atual ministro da Educação da França - Jack Lang - foi ministro da Cultura na gestão anterior. A expressiva presença da França nos dois Forums Sociais Mundiais em Porto Alegre parece ter contagiado as gestões estadual e municipal - ambas do PT - que apresentam fortes sintomas de cultura espraiando artistas na administração de órgãos culturais. Falta dinheiro.

O advogado Fábio Cesnik - especialista em política cultural - dá a receita para gerar receita: " 1- Realizar uma campanha para ampliação do número de empresas que investem em cultura e das emendas parlamentares destinadas ao setor. 2 - Uma ação interministerial integradora dos órgãos do governo, pois só se faz programa de leitura - por exemplo - com o Ministério da Educação, não há outra maneira."

Fica aqui uma sugestão para refletir sobre o perigo das leis de incentivo fiscal decidirem o que se consome de cultura no país através dos departamentos de marketing dos supostos mecenas-empresários. É o filme O Príncipe, dirigido por Ugo Giorgetti, que põe o dedo no uso exagerado do marketing cultural e a ausência de uma política de cultura. Em cartaz nas grandes redes de entretenimento, ou nos melhores "cinemas de arte"...

Saulo Wanderley





 



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